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As tranças da vida

A morte havia levado alguém importante.


Com quem ela tinha diálogos formados de palavras, expressões e referências que só entre as duas existia. E como se esse alguém, ao morrer, tivesse levado não apenas a si mesmo, mas também essa grande parte da personalidade dela que funcionava de maneira exclusiva à relação, a perda havia deixado um enorme vazio, fazendo-a, mesmo que se esforçasse, não conseguir manter os pés no chão.


Flutuar ao invés de caminhar. Desinteressada das coisas do viver.


Os outros insistiam para que ela agisse como gente normal, que andasse pelos caminhos firmes da terra e não pela imprevisibilidade do ar, mas não era uma questão de querer.


Até que um dia uma forte ventania se apresentou!


Colocando-a em verdadeiro perigo pois, por não ter onde se segurar, ela quase desapareceu de vez. Essa ocasião, assustando-a, fez com que enfim decidisse buscar ajuda, visitando uma mulher tão antiga, que ninguém sabia de onde vinha, pois era de um tempo onde nem existiam nações. Logo que ela se aproximou, a mulher-sem-fronteiras perguntou:


- Isso é problema de falecimento, não é?


Ela fez que sim com a cabeça e a mulher continuou:


- Você precisa deixar seu cabelo crescer. Toma esse chá, vai te ajudar.


Aceitando o líquido fumegante, com timidez, ela explicou que seu cabelo era muito fino e que por isso, acreditava que mesmo grande, não pesaria o suficiente para colocá-la de volta no chão. A sábia, acostumada a lidar com gente que tanto sabe, mas pouco aprende, sussurrou:


- O cabelo grande é para você trançar com as coisas da vida.


Sem mais questionamentos, ela obedeceu. Nutriu e cuidou do cabelo para que ele se animasse a crescer e quando já estava de bom tamanho a magia começou a acontecer.


Ainda flutuando, certo dia, ela viu uma árvore tão bonita que parou para admirá-la e uma mecha, trançando nas folhas e galhos, aproximou-a da terra, um pouco mais.


O mesmo se repetiu toda vez que, dentro de uma situação, ela se sentia bem. Seu cabelo trançou-se com o de suas amigas, com os pelos de seu cachorro e até mesmo com a voz carinhosa de sua avó.


E foi desse jeito, aos pouquinhos, que ela conseguiu voltar a pisar no chão.

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