Acordo às 3h da madrugada para fechar a porta da cozinha que abriu trazendo uma forte corrente de ar. Dou de cara com ele sentado no chão, sinto um arrepio frio nas costas, já o conheço, foi ele que me guiou pelos fortes ensinamentos nas montanhas do Peru.
Pergunto o que faz tão longe de casa e porque decidiu vir me ver. Ele me olha, solta fumaça do cachimbo e responde lentamente:
- Vocês costumavam ser mais longos.
Sento-me ao lado dele. Já sei que precisarei escutá-lo atentamente para entender. Ele continua, de fala arrastada e cachimbo na mão:
- Vocês estão curtos, com pouca duração. Estão fazendo mil coisas, porém, apenas por segundos, sem continuidade. Desconexos.
Eu explico a ele que esse é o mundo moderno. Conectado e rápido. Que tem muita coisa acontecendo, muita opção e a gente não quer perder. Ele, bom ouvinte, balança a cabeça e me pergunta:
- Mas e Deus? Como é que fica?
Estou acostumada a não entender o que ele diz, mas dessa vez chego a pensar que ele está enlouquecendo e digo:
- O que Deus tem a ver com essa conversa?
- Ele está em todas as coisas. Nas pequenas e nas grandes. Mas é profundo, leva tempo para ser compreendido.
- Mas agora que estamos conhecendo muitas coisas, podemos ver mais parte de Deus, não acha?
- Quando se vê muita superfície e pouco conteúdo, fica-se como um inseto batendo no vidro, sem conseguir entrar.
Eu faço silêncio. Uma parte de mim entendeu, a outra não. Me sinto curta. Me sinto inseto, sem conseguir entrar.
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