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Xícara de inspiração

Tatiana Navega

Por esses dias, encontrando-me sem inspiração, nem mesmo para cozinhar, coloquei uma máscara e bati na porta da vizinha:


- Olá, você tem uma xícara de inspiração para me emprestar?


Ela entendeu meu apuro. Não é possível ficar muitos dias sem tal ingrediente então, ao invés de uma, me deu duas xícaras para que eu pudesse sobreviver. Voltei para casa e preparei uma receita com elas, mas não deu certo, não pude me alimentar por isso, bati em outra porta apresentando a mesma questão:


- Estou sem inspiração, você pode me dar um pouco?


Novamente ganhei uma porção generosa, mas de novo minha receita deu errado e minha fome, obviamente, começou a aumentar. Mais do que rápido sai batendo nas outras portas que, como moro em prédio, são muitas. Busquei inspiração em mais de cem pessoas diferentes em um mesmo dia e algumas, inclusive, visitei mais de uma vez, mas o resultado foi uma crescente frustração.


As idas e vindas foram tantas que eu me perdi e exausta, sentei no chão do corredor e comecei a chorar.


Foi nesse momento que uma presença antiga que há muito tempo não me visitava e que só aparece, quando estou errando feio, resolveu me resgatar. Sua forma de se aproximar é sempre igual, um vento, uma estranheza e lá está ela, com seu cachimbo na mão:


- É tanto fora que você esqueceu do dentro, não é?


Com raiva por causa do cansaço expliquei o que havia tentado fazer. Ela fez um longo silêncio e depois respondeu:


- Mas não é voltando adulta ao quintal onde se brincava quando pequena, que se reconhece maior? Não é lendo um texto escrito há muito tempo, que se nota qual parte sua se transformou?


Não entendi. Mas ela, generosa, continuou:


- Você está visitando todo mundo em busca de sentido, mas esquecendo de visitar a si mesma, deixando de ver as novas partes que em você surgem o tempo todo, fonte de inspiração.


Perguntei se ela podia me ajudar a voltar para casa, ela apontou a direção. Quando abri a porta encontrei milhões de expressões de mim mesma espalhadas pelo chão, pisoteadas pela minha pressa em buscar fora o que, sobrando, havia dentro de mim.


E você? Tem lembrado de se visitar?


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