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As sombras da transição

Preparo-me para adentrar a noite com gentileza. Como sei que ela está chegando? Pelas cores do céu. Pois o sol todo dia antes de desaparecer, cria um espetáculo para deixar em nós as marcas de sua luz e para que, diante de tanta beleza, não esqueçamos de sua promessa. Ele vai voltar.


É o contraste de cores que me faz perceber a mudança. É na mudança que percebo o movimento da vida. São as roupas, as caixas, os quadros e os móveis todos ficando para trás que, como o pôr do sol, me avisam que o imprevisível está para chegar.


Vejo o que conheço, o que enxergo e entendo, assim como a claridade do dia, se despedir. Vejo o rosa, o laranja, o amarelo e o azul. E mais acima, a esperada escuridão. Os momentos de travessia, são as noites da vida, onde o silêncio ocasionado pelo uivo da solidão, me prepara para receber os fantasmas que virão me visitar.


Eles se apresentam.


Na parede do meu quarto aproveitam o espaço vazio para formar gigantescas sombras e contar histórias para me assustar. Eu as escuto, as assisto e covarde me escondo embaixo do lençol da falta de auto amor. Porém, sendo fino, ele ainda me permite enxergá-las e o absurdo de suas narrativas terminam por deixar escapar fios soltos de falsidade.


Eu me levanto, me aproximo. E as sombras, respeitando as leis da reflexão, diminuem, me fazendo perceber que na verdade são miniaturas, recortes de medos misturados com lembranças que habitam dentro de mim e que só se projetam em tamanha proporção porque me distancio e porque atrás delas está a luz do meu coração.


Pergunto a que vieram, a resposta é simples:


- Para deixar claro quais são as histórias que você conhece, mas que no papel em branco do amanhã, não quer escrever.


Diante de tamanha revelação, eu as abraço e através da madrugada termino rindo com elas. De vilãs, se tornam palhaças, bobos da corte trazendo verdades em forma de piadas para terem coragem de falar.


Termino por entender a preciosidade das noites da vida, dos momentos de transição.


É justamente ao não enxergar o horizonte, que ainda precisa ser criado por nós, que tudo o que carregamos se apresenta, de bom e de ruim, para podermos escolher com quais partes iremos construir o novo dia, quando voltar a amanhecer.



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